Nós

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quarta-feira, 30 de junho de 2010

27 de Junho de 2010




Depois do jantar de ontem a vontade de comer era pouca.
De modo que depois de ter limpo o pó (tem de ser uma coisinha todos os dias porque de facto ando muito cansada) fomos à Churrasqueira do Amial porque ao Domingo tem uma boa canja, tipo caseiro, com ovo. Também neste dia tem tripas mas sinceramente acho que enjoei.
Optámos por ficar na parte das refeições mais ligeiras porque para a sala havia fila de espera e queria vir para o hospital.
Mal nos sentámos, sentou-se uma sra. com cerca de 80 anos (mais coisa, menos coisa), muito bem arranjada que começou a falar connosco. Espanhola, casou com um português que faleceu há 4 anos. Sente-se muito só, não tem filhos e tem muita pena disso. Bem, a sra. falou e falou e falou. Limitámo-nos praticamente a ouvir. Era do que ela necessitava. De vez em quando dizia “Ai, que bonita és, tens cara de bondosa. E estás para as curvas.” Lá discursou sobre a “gordura ser formosura” etc, etc.
A data altura o Diogo perguntou-lhe “Olhe, tem de pedir a sua comida.” E ela “Tenho de fazer pela vida?” (No final do dia isto fez-nos rir). Percebemos então que ela pensava que eu e o Diogo éramos um casal de namorados (já passámos por casal antes, o que me tinha acontecido com o meu filho mais velho, mas com o mais novo – bem, à medida que envelheço vou parecendo mais nova; óptimo!). Lá desfiz a confusão explicando que é o meu filho mais novo. “Mais novo? Tienes outro?” Pois, expliquei que sim e que tenho um neto com 5 anos e vem outro a caminho. Bem, a sra olhou-me assim como quem tenta descobrir a minha idade e diz “Bien, no me digas más nada! Me vai a dar uma coisa…” E colocava a mão sobre o peito. Risos de toda a gente em redor.
Foi um momento agradável antes de vir para o hospital. De novo o carro cá dentro porque não há lugar lá fora.
De novo, fiquei lá em baixo enquanto o Diogo subia.
Quando chego ao quarto noto que o seu companheiro está muito mais magro mas nem por isso tem más cores. Deve ter sido um jovem interessante e tem um ar robusto, o que por certo está a seu favor nesta situação. Tem uma estampa do Senhor Santo Estava a dar-me um Cristo dos Milagres na sua prateleira, igual a uma que tenho dentro do meu diário.
Ah, Senhor, olha por ele. E pelo Jorge!
O Jorge está sem qualquer soro; mantém veia permeável para a medicação endovenosa; ainda faz metilprednisolona e magnésio endovenoso.
Está neste momento (15h30m) a preparar-me o novo computador para a internet e outras coisas. Tem bom aspecto, Graças a Deus! Está por cima da roupa. Diz que o cadeirão é muito desconfortável que foi feito “para quem está de castigo”.
16h40m
Pensando bem isto deve ser um castigo para todos.
Só há a cama e a mesa de refeições. Daí que ele não lê, não usa o computador porque não lhe dá jeito na cama. E quem passa aqui o dia tem apenas a cadeira ao lado da cama. Para ir beber água ou à casa de banho, é necessário sair, despir isto tudo e quando se regressa, voltar a vestir a bata azul e a colocar máscara e touca. É dose de leão!
Está-me aqui a dar uma irritação miudinha, nem sei porquê. Acho que tenho de sair e beber um copo de água…
Se o Jorge não está em isolamento (acho que não está…) porque não o colocam num quarto em que possa sair para a sala? Credo, isto é claustrofóbico para mim, quanto mais para ele! Se tenta sair da cama e vir para o lado da mesma (onde estou, tem o ar condicionado em cima dele).
Depois tem uma coisa muito incómoda: a acústica da casa de banho é nenhuma; ou seja, ouve-se tudo…
Fico a imaginar como teria sido útil o projectista destas obras de renovação ter passado um dia num quarto assim e ter ido à casa de banho num dia de flatulência… Como o ser humano facilmente perde a sua privacidade (e até dignidade num internamento). E parece que só quando se está deste lado nós, profissionais de saúde, conseguimos compreender.
Porém, há o que é muito importante: a prestação de cuidados de saúde, especialmente dos enfermeiros e, ainda, dentro destes, dos que aqui estavam há 2 anos que continuam a ser de excelência.
O que eu necessitava agora era assim um Xanax ou um Lexotan Mas… pensando bem é melhor não, pois com os efeitos paroxísticos que me provoca, desatava aqui a berrar. O que fazia com que me levassem para um Hospital Psiquiátrico. Cruzes! A minha imaginação hoje está fértil. Deu-me para escrever; antes para isso do que para roer roupa. Já tenho as calças que vesti ontem descosidas numa perna, não convinha ter de andar a costurar mais roupa; como seu tivesse pouco que fazer.
17h37m
Minha alma está parva!
O Jorge pergunta a uma enfermeira que está em integração, penso eu, os valores de hoje. Resposta dela:
“Isso não compete ao enfermeiro dizer; deve ser o médico [fiquei a olhar para ela mas não disse nada]. Mas tem que pensar que se não vai fazer transfusão é porque estão bem.”
Olha querida, não poderias dizer isso de modo mais simpático? Se o meu marido está tão bom assim podia ir embora, não??? Ah, é verdade, isso é com o médico, claro! Mas se é com o médico e o meu marido quer saber, que tal telefonar ao médico para lhos vir dizer?
Mais, os do Jorge são com o médico mas os do outro doente não??? Porque quando lhe comunicou que ía fazer uma transfusão disse-lhe.
Por via das dúvidas telefonei logo à minha colega e amiga Susana que é perita, mestre e doutoranda nestas áreas.
Como a Susana não me atendeu vou ao site da Ordem dos Enfermeiros.
Bem que eu estava enervada; estava a prever que me ía enervar ainda mais?
18h20m
Já falei com a Susana que me esclareceu relativamente a este assunto. O que há é que esta sra. enfa. até disse ao doente da cama ao lado os seus valores de hemoglobina. Mas o Jorge não se quer aborrecer e fazer o que a Susana diz: dizer que quer saber os seus valores, que compreende que ela não queira dizer mas, neste caso, que chame o médico. Ou que eu na presença do Jorge o faça. Mas ele não se quer aborrecer e recorrer ao artº 10º dos Direitos e Deveres do Doente.
É que parecendo uma ninharia não é; é muito importante para o Jorge (e para mim também) saber como estão os valores hematológicos. É que é “simplesmente” pelos valores que o Jorge está internado. Que deixámos a nossa casa, que tenho de estar afastada do meu trabalho, que a minha família se dispersou, que não estarei presente no nascimento do meu neto. É “apenas” por aquilo que os valores hematológicos representam…
18h55m
Dói-me imenso o estômago.
Hoje vai de Metamidol. Estou a ver com os nervos em franja.
19h15m
O jantar é esparguete com costoletas. O Jorge fez cara feia mas comeu tudo  Quando a fome aperta…
Entretanto ainda não lhe trouxeram a medicação (alguma é para tomar antes do jantar). A sra. enfa. também deve achar que não é com ela…
19:30
Veio o enfermeiro administrar a medicação.
Noto que no outro internamento havia um enfermeiro por quarto cujo nome estava na porta como responsável dos cuidados. Desta vez parece-me mais à tarefa (???).
Afinal ela vem com medicação EV, chega perto do Jorge e faz uma cara muito desapontada: “Ai não está ligado! Tenho de ir buscar tudo para ligar”.
Ainda bem que daqui a pouco vou embora; o meu estômago está fraco para tanto prato forte.
Já em casa tive necessidade de telefonar ao Jorge e como tinha o telemóvel desligado, liguei para o serviço e atendeu a sra. enfermeira. Foi extremamente simpática.
Mas em casa as coisas se calhar parecem melhores.

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