Nós

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sábado, 19 de junho de 2010

Um Domingo sem Sol - 19 de Julho de 2008


Graças a Deus o Jorge ficou sem febre.

Ao acordar perguntou-me “Onde vamos hoje?”

Fomos almoçar à Churrasqueira do Amial. Confiem em mim: vale mesmo a pena quando se pensa na relação qualidade/preço. E depois são de um atendimento espectacular, especialmente um dos empregados de mesa. Mas ainda fomos ao Norte Shopping que ele quis arranjar os óculos. Vi uma aluna minha, a Maria. Sabe sempre muito bem ver alguém conhecido quando estamos longe de casa.

Depois, sim, fomos almoçar. Pedi ara o Jorge um bife muito bem passado - o empregado atencioso sabe que o Jorge faz tratamento no IPO e vê-o de máscara. Pois veio bem caprichadinha, como dizem os nossos irmãos brasileiros.

E acabando o almoço, eu pensando que vínhamos para casa e o Jorge “Onde vamos agora?”

O.K., lá fomos dar uma volta desde o Cais de Gaia até à Foz. Gosto imenso deste passeio. Prefiro a vista do Porto para Gaia do que o inverso.

Já estava mesmo desejando a casinha que não é minha mas é melhor do que nada.

Então acabámos o passeio comigo bem mais cansada que o Jorge. Quando a hemoglobina dele voltar ao normal não sei como é que o acompanho. Deus o abençoe!

Pela tardinha lá estavam os 37,2 graus de temperatura axilar. Nada efectivamente, ele sente-se bem, mas o certo é que não é a temperatura normal dele. E vem-me aquele apertozinho no estômago e um certo nó de garganta. Mas depois penso: se calhar é normal para quem está a produzir medula óssea, ou então, as doenças auto-imunes dão estas febrícolas. Racionalizar é essencial ao ser humano; atribuir sentido a algo.

Várias pessoas me escreveram. Uma especialmente tocou-me pois está a viver um momento também muito difícil e diz que estas minhas mal anotadas linhas a têm ajudado. Fico grata a Deus por isso. Como disse no primeiro dia, se puder ajudar alguém, fará sentido. A mim também ajuda.

Também me emociono quando as pessoas dizem que sou forte. Sempre achei que não, principalmente no que se refere a lidar com doenças graves. Para além de obstetrícia ser uma paixão quase desde que me conheço como gente, para mim tem a grande vantagem de significar “vida”. Geralmente as coisas correm bem; é lindo. (se não corre bem, pode também ser muito feio). Muitas vezes fiz partos com as lágrimas a correrem pela cara, devido à beleza do momento. Enfim…

Eis então quando me espanto por, ao estar no Piso 5, Hemato Oncologia, onde o Jorge esteve internado, dei comido a ter vontade de me fardar e de prestar cuidados ali. Tenho de reconhecer que para isso contribuiu essencialmente o papel dos enfermeiros que de tão extraordinário levou-me a pensar que faria aquilo com muito carinho. Como tal era impossível, dava comigo a estar com os doentes e familiares. E fiz lá amizades. Conheci facetas maravilhosas de solidariedade do ser humano. Ainda hoje a Paula, uma doente de quem gosto muito comunicou comigo. E, definitivamente, a palavra “Cancro”, que tem de ser dita sem medo, deixou mesmo de ser sinónimo de “morte” para ser de “vida”, outra forma de estar na vida e, sim, de “muito valor”. Penso que muitas pessoas que me lêem compreenderão o que quero dizer. Há um ano eu seria incapaz de escrever isto, quanto mais de pensar!

Hoje o relato vai longo. Amanhã, espero trazer mais.

Beijinhos, amigos!

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