Nós

Nós

sábado, 19 de junho de 2010

"Isto está a ficar estável" - 14 de Agosto de 2008

Ontem foi dia de IPO. Ante-ontem foi dia de crise ... no casal (crise, quer dizer, discussão). Sim, porque desilude-se quem julga que a nossa vida é só amor, apoio e etc. Ó! Ó! Conhecem casais sem discussões? Então desconfiem pois algo não está bem, ou já está tudo morto. Como por aqui estamos vivos, de vez em quando estala. Sinceramente desde Janeiro, desde que olhei para as análises do Jorge e vi uma grande anemia e, principalmente, uma grande trombocitopénia (diminuição de plaquetas), em que este último dado me fez logo desconfiar que havia coisa séria para descobrir, que passei a relevar tudo, a ver que há coisas muito mais importantes que mesquinhices a que anteriormente dava importância. Pois, mas ante ontem senti-me ofendida (e garanto, quando o Jorge quer ofender, tem nota 20), primeiro respondi e depois amuei porque não queria chorar à frente dele.


Lá no hospital, quando cheguei à sala de espera, pelas 12 horas estavam várias pessoas. Noto quando qualquer pessoa entra que olhamos e com certeza perguntamos-nos o que será que a pessoa tem; quando vem mais do que uma pessoa, quem será a pessoa que está doente e com quê. Assim, ontem observei que duas pessoas estavam nitidamente doentes, as duas com alopécia (queda de cabelo), uma das senhoras por volta dos 40 anos de idade e com máscara e a outra sem máscara e com cerca de 70 anos. Do meu lado direito estava um senhor cujo cabelo já cresceu um pouco e pelo tamanho não deve fazer quimioterapia com citostáticos há uns 3 meses.

No canto oposto a mim está uma jovem entre os 25, 30 anos. Está de mão dada com o marido (têm aliança). Ela tem um fácies muito ansioso mas tem todo o cabelo. Reparo que traz vários envelopes e penso que deve ser uma primeira consulta (a bomba do diagnóstico!). Julgo que seja ela a doente pois o marido tem um ar mais tranquilo se bem que muitas vezes é a outra pessoa quem se apresenta mais nervosa.

Também, à minha frente, há um senhor magro com um ar esverdeado (penso que deve ter qualquer coisa que lhe provoque hemólise – destruição dos glóbulos vermelhos – e que costuma dar aquela cor).

Há mais pessoas (comigo somos 15 ao todo naquela parte mas das outras não consigo vislumbrar quem é o doente ou o/a acompanhante pois têm todos bom aspecto. Nem pelos pensos de análises feitas anteriormente consigo perceber porque várias pessoas trazem mangas compridas. Mas há algo em comum ali em todos nós: um ar consternado. À medida que as pessoas vão sendo chamadas vou compreendendo quem é o doente.

Na consulta do Jorge ele relata o extremo cansaço que sente. O médico atribui eventualmente à diminuição de magnésio uma vez que a hemoglobina atingiu 9.1 e as plaquetas 64, valores que ele tinha em Fevereiro. E se bem que não seja o grande médico dele, que continua de férias, ouvimos pela primeira vez a sentença “isto está a ficar estável”. Sim, sem dúvida. Níveis destes de plaquetas significam que a medula óssea está a produzir células.

Fico a saber na consulta que ele tem diarreia – não é capaz de se queixar, excepto do cansaço e da falta de apetite. Segundo a minha sogra, nisto sai ao pai que pode estar a morrer e nem dá um ai. Para quem julga que os homens são uns queixinhas (graças a Deus nunca tive nenhum, nem sequer os meus filhos, estes então mesmo estóicos com as suas mazelas), isto pode parecer bom. Mas não é porque acabamos por não ter confiança do seu estado e cria-nos ansiedade. E, depois, se têm alguma coisa quase entro em pânico porque penso que estão a morrer. Também há uma tosse irritativa que lembro ao médico. Fez Rx e análise para ver se há algum problema intestinal. Graças a Deus nem uma coisa nem outra.

Depois da consulta volto a ver a jovem que tinha um ar muito ansiosa... estava vermelhissima de chorar e com os olhos muito inchados. Notei uma cicatriz no pescoço, do lado esquerdo - uma cicatriz muito recente. Penso que deve ser uma leucemia ou um linfoma (talvez um Hodgkin que tem bom prognóstico nos dias de hoje). E o ar dela chama aquela minha parte que me levou a querer ser enfermeira. Apetecia-me sentar ao lado dela, pegar-lhe na mão e perguntar se queria falar. Mas ela não me conhece de lado nenhum, ali sou esposa de um doente como tantas outras. E mais uma vez senti a grande vontade de vestir uma farda branca, a minha farda que é a farda da mais linda profissão e começar a prestar cuidados de enfermagem. Limitei-me discretamente a não olhar muito para ela, mas o meu coração partia-se.

Finalmente, adormeci de alívio e dormi até às 10 e meia da noite (pouca vergonha!). Ainda fui fazer um bife grelhado com arroz ao Jorge. Bem que a minha amiga Belém me dizia que conhecia um talho com bifes bons. São uma delícia. Depois estive a gastar calorias (lol) a lavar o chão e a cozinha.

E hoje é dia de ficar por aqui. Estou cansada e apetece-me fazer ronrom…

Sem comentários:

Enviar um comentário