Nós

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quinta-feira, 29 de julho de 2010

No rescaldo de uma noite surreal


28 de Julho de 2010

Às 2h30m de ontem, dia 27 de Julho, estamos a sair de casa para o SANP do IPO.
A temperatura estava a 37.8 mas mais ainda, voltou a apresentar rectorragia e tonturas.
Ele não queria ir de modo nenhum, mas convenci-o. Estava com muito receio de que perdesse mais sangue, sem sequer imaginar que valores teria.
Chegámos aos portões do IPO e estavam todos fechados. Enquanto o Diogo saía para procurar o segurança, eu telefonava. Lá abriram os portões e finalmente chegámos ao SANP. A enfermeira perguntou se tínhamos telefonado. Não tinha, não sabia que era necessário. Como não sabia que os portões fechavam à noite e, como vim descobrindo ao longo das próximas horas, não sabia uma datas de coisas.
O Jorge enquanto entrava perguntava à enfermeira se eu podia ficar. Ela disse que sim. Era só o Jorge no serviço. Ao longo da noite ela mostrou-se de grande competência e humanidade. É a enfermeira Mónica.
Depois da necessária colheita de dados, nomeadamente, da ida ao serviço, comunicou ao médico de serviço à hemato-oncologia. Era o Dr. Ângelo, o que me deixou muito tranquila pois conheço bem a sua fama de bom médico, bem como de muito humano, o que eu própria já tivera oportunidade de assistir.
Depois da enfermeira Mónica nos te comunicado que o Jorge passaria ali a noite, ela mesma foi comunicar ao Diogo e à Verónica de modo que pudessem ir embora. Aí o Diogo enviou-me uma mensagem para eu ir lá fora. Então ele mostrou-me os braços com manchas tipo urticária. Imediatamente disse que ele tinha de ir para a urgência do Hospital de São João. E vi-me imediatamente dividida entre ir com ele ou ficar com o Jorge. Mas também imediatamente ele resolveu: eu ficaria com o Jorge e ele ía com a Verónica ao São João, pois a situação dele não era grave e de qualquer modo eu não entraria com ele enquanto ali estava com o Jorge cuja situação é, como se sabe, delicada. A partir daí passámos a contactar-nos continuamente por sms. Às 6 da manhã ele foi para casa depois de fazer cortisona e clamestina endovenosa. Como veremos, ele e o Jorge, quase em simultâneo e em dois hospitais diferentes faziam a mesma medicação.
Voltando ao IPO, o médico depois de chegar e de validar alguma informação, fez um exame físico muito completo e minucioso. Pediu análises de sangue e quando chegaram, indicou a transfusão de 1 unidade de plasma e 2 de sangue. Os valores eram: Hb – 6.1; Plaquetas – 27; Neutrófilos – 1400. Ou seja, a hemoglobina muito baixa, as plaquetas aumentaram espontaneamente de modo muito satisfatório em 4 dias e os neutrófilos desceram. Fez toque rectal mas não encontrou nada. E indicou RX tórax por considerar diminuição de murmúrios nas bases. Referiu-se então à presença de uma alteração clonal indicativa de HPN (Hemoglobinúria Paraoxística Nocturna), situação associada à Anemia Aplástica em 40 a 50% dos casos mas que no caso do Jorge nunca fora referido estar presente. Aliás, eu perguntei há 2 anos e foi dito que não. Aí, quando o médico viu que eu fiquei muito admirada, explicitou que não vira ao valores de há 2 anos. Fiquei muito apreensiva mas não referi nada (como sempre).
A enfermeira trouxe um cadeirão que abriu e cobriu com um lençol para eu estar ao lado do Jorge e ainda teve o cuidado de me perguntar em que sentido eu queria ficar. Fiquei de frente para o Jorge, para o ver. Senti-me verdadeiramente cuidada por esta enfermeira.
Foi colocado sulfato de Magnésio em curso.
Começou a transfusão de plaquetas e menos de 5 minutos depois o Jorge fica muito aflito, chama por mim e pela enfermeira dizendo que estava a sentir o peito a apertar e que ía desmaiar. Antes que eu piscasse os olhos, tinha a enfermeira a parar a transfusão e a administrar hidrocortisona. Bem, foi mesmo muito rápida. Entretanto a tensão arterial do Jorge desceu para 80/40 e ficou completamente pálido e suado, enquanto os lábios estavam roxos. Meu Deus, eu fiquei estática mas pensei que ele estivera quase a morrer. O médico voltou e tanto ele como a enfermeira frisaram que ele precisava dizer que tinha feito alergia às plaquetas. Segundo eles, muito comum, mas tem de ser comunicado para fazer medicação adequada antes. Soube então que há 2 anos lhe acontecera o mesmo no serviço de hemoterapia mas que ninguém lhe dissera que era alergia; associaram ao frio.
Depois de fazer anti-histamínico, começou a primeira unidade de sangue.
Entretanto, chegou a passagem de turno, depois as 9 horas e a enfermeira da manhã disse que eu tinha de sair.
Chegara um senhor cuja situação me estarreceu; a esposa e o filho foram levá-lo para ficar nos cuidados paliativos porque não conseguiam cuidar mais dele. Falou-se à frente dele, esposa e médico. Eu ouvi, portanto, ele também. Não estava em coma e, mesmo que estivesse!!!
Vim para a sala de espera e telefonei ao Diogo para saber como estava e lhe dizer que me trouxesse os óculos escuros e o carregador do telemóvel. Tanto eu como o Jorge ficáramos sem telemóvel já que passei boa parte da noite a comunicar com o Diogo e a Verónica. O telefone de moedas ficou-me com 2 euros e não consegui falar como deve ser com o Diogo.
Fiquei na sala de espera, na parte do SANP, onde as pessoas têm um comportamento muito distinto das que estão nas áreas de consulta. Ali vê-se muito desespero e revolta. Eu estava de rastos por tudo o que acontecera, pela possibilidade de HPN e porque não tinha pregado olho.
Tentei falar com as enfermeiras da consulta externa mas não senti qualquer acolhimento. Sabiam que estávamos desde madrugada no SANP mas… o que é que isso interessa???
Chega então o Diogo de mochila às costas e foi tirando sandes, sumo e iogurte e disse-me que tinha de cuidar de mim e de comer. Comi uma sandes e bebi o sumo de ananás, mas já não consegui mais nada. Mas vejam a sensibilidade do meu filho de preparar o farnel para me levar para o hospital. A Verónica foi estacionar o carro e teve de andar imenso.
Vejo passar o Dr. Ângelo e fui falar com ele sobre a possibilidade de HPN. Ele então disse que estivera a ver bem todo o processo do Jorge e que há 2 anos tinha um clone de 0.4 e agora de 0.45. Portanto, a mudança não é grande. Mas o que significa aquele 0.4 também não sei. Seja como for, que tem agora, tem há 2 anos.
Fiquei mais tranquila, com esta conversa e a presença do Diogo.
Foi então o Jorge fazer o RX tórax e eu fui com ele.
A seguir, voltou para o SANP e por volta do meio-dia, finalmente para a consulta.
Andou sempre em cadeira de rodas mas quando o Dr. João o chamou, saiu dela. A auxiliar começou a rir porque diz que ele há muito tempo que não queria estar na cadeira. Sentia-se muito mais fortalecido depois das transfusões e da ampola de magnésio e dizia que andaria em todo o hospital sozinho.
A consulta foi muito boa. Especialmente (ou mesmo) atendendo que é um interno. Mas muito cuidadoso, explicando tudo, um minucioso exame físico, com verdadeira partilha de informação. Falei da HPN e ele deu um sorriso para dentro e disse que o caso tinha sido discutido com o Dr. Mariz mas que de facto não parece existir, se bem que estão atentos a sinais de hemólise.
(Mais tarde, em casa, pude fazer alguma pesquisa no Fórum e a existir, estão a fazer o que deve ser feito. E apercebi-me que de facto a postura do Dr. Mariz é adequada para mim. Ele fala quando tem a certeza e neste momento não há indícios de HPN. Não vale a pena sofrer por antecipação).
O Dr. João deixou claro ao Jorge que em caso de qualquer coisa, deve dirigir-se ao SANP.
Ficou consulta marcada para o dia 3 de Agosto. É o dia do meu aniversário. Não quero prendas nem felicitações. A única coisa que quero é a indicação de que há evolução favorável. Esta é a melhor prenda que alguma vez pude querer. E não vou encomendar bolo nem fazer quaisquer planos. Consoante a consulta, resolve-se. É mesmo o que não me interessa nada. Cada vez menos aniversários, passagens de ano e afins têm qualquer significado. São datas, mais nada.
Viemos então para casa. Nunca senti tanto calor na minha vida. O carro apontava 43 graus. Eu acho que nem conseguia respirar. A casa que é fresquinha, estava quente. Não sei como, mas ainda consegui preparar o almoço para o Jorge. O Diogo fez o mesmo para ele e a Verónica e fui-me deitar. Todos nos deitámos. Lembro-me da minha preocupação ser ficar quieta pois quanto mais me mexesse mais calor teria. E adormeci. Fui dormindo e acordando até ao jantar. Comi bem como o Jorge do frango guisado que tinha feito. O Diogo e a Verónica foram buscar comida.
Voltei para a cama mas à 1 da manhã acordei e tive dificuldade em voltar a adormecer. Fiz crises de pânico, pensei nas coisas mais escabrosas. Comecei a ficar com dor de cabeça e tomei um analgésico e um metamidol. Finalmente voltei a adormecer até às 6 da manhã.
Esta manhã a minha preocupação era ir às compras antes do calor ficar insuportável.
Ainda estou muito abalada, muito atordoada. Há um turbilhão de pensamentos e de emoções que estão pelo ar.
Hoje o dia foi calmo q.b. Fui às compras, com cuidado de ser antes do dia aquecer, fiz almoço e jantar, fiz uma sesta e passei um bocadinho com a Belém que passou aqui depois de sair do serviço.
Recomendei bem ao Jorge que me chamasse depois de ir à casa de banho. As fezes estão mais escuras e não tem apresentado sangue.
A temperatura vem para 37.5 ao anoitecer. Deve ser do calor.

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