Nós

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terça-feira, 6 de julho de 2010

3 de Julho de 2010




Dormi relativamente bem, levantei-me cedo para adiantar umas coisas necessárias mas depois deu-me sono e muitas dores no braço esquerdo.
O Diogo subiu primeiro, diz que o Jorge estava a dormir tão profundamente que nem dava por ele. Depois veio a Verónica, mas rapidamente. O sr. da cama ao lado dá-lhe impressão. Mesmo assim ela sobe. Esta menina é uma bênção. O Diogo sempre preocupado se tenho dores, se comi, se trago lanche. Não gosto de trazer lanche porque nunca gostei de comer no serviço. E trabalhava em obstetrícia, muito mais “limpo”. Mas ontem consegui comer duas bolachas integrais. É que acabam por ser muitas horas.
Ontem e hoje o elevador principal está em manutenção. Temos de subir pelo pequeno do pessoal. Se não tivesse companhia vinha pelas escadas; há 2 anos fazia-o até para fazer exercício. Mas agora é mais 1 piso… e mais uns quantos quilos meus a mais.
O almoço do Jorge foi entremeada grelhada (mas não na brasa). Ele gosta. Trouxe-lhe bolachas mas poucas. Quando sair daqui vou ao supermercado aqui ao lado para comprar mais, pois têm de ser pacotes individuais.
O acesso venoso foi novamente mudado, agora para a mão direita.
15h50m
O Jorge volta a dormir.
Sabe Deus o que lhe vai no pensamento, o que ferve dentro dele. Mas não se abre.
Não sabe os valores de ontem mas diz-me “Eles não fogem”.
Ainda dá mais impressão ver uma pessoa como ele, tão paciente, assim doente. Faz-me sempre lembrar um cordeirinho.
Praticamente nunca o vi revoltado, Aquelas fases de aceitação de doença, não as identifico nele.
18h08m
O enfermeiro vem dizer que o Jorge vai fazer uma transfusão de plaquetas. Ele pergunta se estão baixas e o enfermeiro diz que sim mas não os valores.
O Jorge franze o nariz. Pergunto-lhe o que é, para ver se o faço falar.
“Assim já não vou segunda-feira”.
“Queres falar?” pergunto
“Foi difícil colher sangue hoje; se calhar é por isso”
Ficamos de mãos dadas mas ele está gelado.
18h22m
“Disseram-me que o laboratório ao fim de semana não é tão fiável” – diz-me ele.
O que o ser humano é capaz de racionalizar!
Tem os olhos tão tristes...
“Também já tinha tomado banho, já me tinha esforçado.” – continua na sua racionalização.
Digo-lhe que talvez seja assim mesmo; é um processo para trás e para a frente e que se calhar é melhor assim, com pequenas subidas por ele próprio. Afinal não faz transfusão há 9 dias.
18h59m
Entretanto fui falar com o enfermeiro pois o Jorge ficou mesmo desanimado. O enfermeiro explica que não quer dizer que não esteja a produzir. Mas está lento. E que não significa que não vá para casa.
Vem dizer os valores:
Plaquetas: 8
Hemoglobina: 7.5
Neutrófilos: 300
Depois fica perto possivelmente para ver a reacção. Tenho de manter aquela expressão que aprendi há 2 anos. E vai mesmo ficar tudo bem!
19h10m
Jantar: carne de porco assada com arroz e legumes. Digo-lhe que tem de comer tudo para ir para casa. Mas à excepção da cenoura, ele gosta de tudo.
19h25m
Comeu todo o jantar e uma laranja.
Noto-o muito desiludido, um pouco revoltado... O olhar está profundamente triste. Hoje queria ficar aqui ao lado dele…
Ele tinha ido até à sala durante uns minutos. E agora estes valores...
19h32m
Iniciou transfusão de plaquetas.
Hoje voltou a ficar sem internet; algo avariou no computador. Mas tem jogos de que fizemos download.
19h55m
Terminou a transfusão de plaquetas.
Queria tanto ficar um pouco mais; sei que deixam em “casos excepcionais” que, felizmente, não se aplicam ao Jorge. Logo, tenho de ir embora mas estou a fazer “ranço”, como se diz na minha terra.
Ele vê futebol mas sinto que a sua atenção não está toda na televisão…
23h30m
Depois de sair, fomos buscar o jantar e depois tentei chegar à Afurada mas estava encerrado ao trânsito.
Andámos às voltas até à Orla Marítima, comprámos churros e viemos para casa.
Uma angústia muito profunda aflige-me mas tento racionalizar e raciocinar. Tenho vontade de chorar, quem me dera gritar de novo, apesar da outra vez ter sido por estar fechada na casa de banho.
Janto arroz de pato que não me tem sabor; o que me apetecia era comer os doces todos deste mundo mas não fui além de uma fartura.
Arranjei modo do Jorge não aceder ao blog apesar de ele não o fazer; se prometeu, não faz. Mas nunca o vi preocupado como hoje e não quero contribuir nem um pouco para que se sinta angustiado, para que perca a força para lutar. Pelo contrário, penso que a sua postura não é de luta; a resignação não é luta. Mas sei que ele vai aprender a lutar. Quase o vi chorar hoje. Era importante que o fizesse. Mas seja como for, vai vencer.

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